Era domingo, ela acordou antes do horário habitual e foi para a sacada. O vento fresco do sexto andar fazia companhia junto com o céu, num congestionamento de nuvens brancas e silêncio absoluto.
Como de praxe, os pensamentos começaram a voar e ela percebeu que há pouco tempo conseguiu reorganizar as ideias, colocá-las em cada pasta-arquivo, dentro de suas respectivas gavetas no cérebro. E isso trouxe leveza, que a muito não sentia.
Toda essa reflexão, no entanto, foi interrompida pelo barulho do interfone. O questionamento é o mesmo, quem poderia ser àquela hora, domingo de manhã? Isso a fez rir, porque há um tempo, não se permitia pensamentos tão banais.
- Oi.
- Sou eu, posso entrar?
Enquanto decidia se aquilo seria bom ou ruim, apertou o botão e deixou-o entrar.
Quando o elevador abriu e ele a viu de pijama, tão confortável, aquilo lhe causou certo incomodo. E quando o elevador abriu e ela o viu caminhar pelo hall, as perguntas bombardeavam todas as suas dúvidas.
- Oi – disse ele.
- Entra.
- Obrigado. Como é que você está? – ele realmente queria saber, depois de tomar nota do ambiente.
- Estou bem... E você? – não que ela realmente quisesse saber, mas precisava ser educada.
- Também to legal...
O clima continuou estranho, aquele domingo tranqüilo acabara de sair pela mesma porta, enquanto seu primo entrava como convidado e se apresentava como o domingo tenso. Ele acabou se sentando no sofá e ela percebeu que ainda havia muito a ser dito.
- E então, por que é que você veio?
- Eu vim aqui por que... Pra te pedir para voltar. Aqui não é o seu lugar.
- Eu não vou fazer isso!
- Será que você não percebe o quanto está agindo com imaturidade?
- Você não é a melhor pessoa para falar sobre maturidade!
- Eu não vim aqui para brigar. Quero que você volte para casa e resolva os seus problemas sem envolver outras pessoas.
- Já disse que não vou fazer isso. Eu sai de casa porque as coisas não se resolveram. Você teve um prazo de catorze anos para mudar toda a situação e nunca fez nada! Na verdade, deixou tudo acontecer como ela sempre quis e assistiu a tudo como se fosse cego, surdo e mudo.
- Isso não importa mais... Depois do que você fez tudo está diferente, mas você não pode continuar aqui pra sempre.
- Não importa pra você que nunca passou o que eu passei! Ou não quis enxergar o que sempre esteve na sua frente! E eu sei que aqui eu posso continuar.
- Você tem noção do drama que está fazendo?
- Isso não é drama pai! É procurar amor e carinho. Procurar ser entendida e ter felicidade. Aqui eu sei que eu tenho tudo isso e por mais imatura que eu seja, vou tentar não cometer os mesmo erros.
- Eu vou te dar até o final do ano, três meses, para que você volte pra casa!
- Você sabe que isso não vai acontecer!
Ele a olhou por um breve instante e saiu sem dizer nada. Por mais que sentisse as lágrimas caindo, ela se sentia aliviada por ter falado. Claro que havia muito mais a ser dito, mas não por hora, pois são coisas para outros capítulos.
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