terça-feira, junho 29

Narrador

“Ela sente a minha presença a todo instante, imagina situações inusitadas sempre que o ócio permite. Não me persegue, mas acompanha meus passos com o olhar. Um olhar que ainda não consegui decifrar, mas é carregado de expressões que se modificam a cada instante.”

“Ele existe do outro lado do hall, mas esconde-se por trás de portas e cômodos que sei como são, mas no momento não imagino a disposição dos móveis. Ele é real, misterioso e no fundo deve me achar maluca por pequenas situações do dia-a-dia que nos pegam de surpresa e me matam de vergonha.”

Pensamentos assim fazem do pequeno narrador um manipulador de acontecimentos. Se suas personagens permitirem, ou não, ele vai dar caminho para que a cada passo as luzes se ascendam pelo chão, transformando o rumo da história.

Elas congelam no tempo e a figura de óculos, com cabelos desgrenhados, roupas amarrotadas e narigudo vai moldando as palavras em cima das linhas, com mãos ágeis e pensamentos efervescentes, onde os atos borbulham em seu caldeirão.

Assim ele e ela percorrem caminhos distintos, mas em certo ponto encontram-se numa sala iluminada somente por um abajur, que remete às paredes um tom alaranjado, na noite estrelada e com o tapete convidativo.

Os sofás brancos nos cantos, sem mesa de centro, televisão desligada e quadros abstratos pregados observam as cenas acontecerem, ao som da música solta pelo ar e as roucas vozes que saem aos sussurros. Os braços e pernas confundem-se com o tronco e outros membros; que são vencidos pelo cansaço e ganham o sono de brinde, após a intensa batalha.

Sono que será despertado pelo barulho da chave na fechadura, calor do sol e dores das marcas do tapete.

É dessa forma que o narrador vai embora, deixando seus personagens perdidos, à mercê dos acontecimentos do ontem e aflitos com o que pode vir a acontecer agora. Mas nunca se sabe o que pode mudar, porque isso foi apenas um rascunho mal feito onde todas as ações ficaram presas naquelas paredes e nos olhos da sua memória fotográfica.

quarta-feira, junho 16

Anjos

Sorri com ternura ao encontrá-lo, ele segurou minha mão e me conduziu por um caminho de terra, com flores e altas árvores pelas margens. Fui sentindo a brisa morna afagar os meus curtos cabelos e com ela um perfume doce, mas discreto que vinha dele.

Junto a ele eu sentia tranquilidade, as minhas preocupações não tinham motivos para se fazerem necessárias, porque no meu íntimo eu sabia que as soluções seriam encontradas. Assim como, eu desejava somente continuar a caminhada, mesmo sem trocar uma palavra. Gostava daqueles encontros e a minha missão era aproveitar ao máximo cada instante, pois tudo seria apagado da memória e só as nuvens no céu iriam guardar os segredos.

Aos poucos eu fui sentindo a sua ternura passar por entre os dedos; toda a proteção que nele havia foi se tornando consciente quando aqueles olhos de amêndoas penetraram fundo o meu rosto e eu pude sentir o bem que havia ali e que continuaria a me guiar pelos pés, como asas, sempre que eu quisesse me perder.

Naquele momento o que me prendia eram as palavras que saiam como sussurro da sua boca. Palavras que iam direto para uma caixinha guardada no subconsciente e que seria aberta quando necessário como uma forma de encontrar a luz no fim do túnel toda vez que eu insistisse em me perder.

Continuamos a caminhar pela estrada deserta e aos poucos fui sentindo o cansaço, até que ele parou me pegou no colo e continuou. No meu ouvido eu sentia a paz entrar como canção de ninar e ele sorria para mim dizendo: “Descanse pequena, eu te levarei.”

E foi assim, em seu abraço cheio de segurança até o fim da estrada... Então ele entrou pelo quarto e com cuidado me colocou na cama e num último instante abri os olhos e pude vê-lo partir. Sorri lentamente e voltei a dormir.

Porque eles são assim, sempre anjos, que vão e vêm sempre a postos para nos guiar.

domingo, junho 6

Ontem

Na noite anterior não havia nada programado. O autor do roteiro resolveu deixar as linhas em branco para que suas personagens pudessem guiar a trama madrugada a fora. Ele largou a caneta em cima da mesa, deixou as páginas na desordem, tirou os óculos e tentou esconder dos olhos o cansaço de muitos dias regrados a imaginação. Deitou-se na cama e esqueceu o mundo ao seu redor.

Enquanto isso, a pequena moça seguia seu caminho pela festa apinhada de gente. Havia mil e uma luzes em cor, muitos desconhecidos e uma brisa fria que aos poucos gelava suas mãos. A música tocava o ar e no meio da multidão dançante um rapaz a tirou para dançar. Mesmo com a manemolência dos seus passos, o bonito rapaz insistia em rodar pelo chão com as mãos na sua cintura no ritmo da música.

Ele ia e voltava e no meio de tanta gente eles se encontravam e trocavam algumas palavras. Mas sem querer beijou o amigo do desconhecido no rosto e resolveu desaparecer. Andou muito, dançou com segundos e fez calos nos pés.

Sentou-se para sentir o frio da madrugada e observar as pessoas bêbadas a passos trôpegos que sorriam e cantavam na felicidade infinita.

Até que o forasteiro sentou-se ao seu lado e sem constrangimento algum começou a conversar. Foi um papo gostoso, com sorrisos leves e divertidos. Tudo o que contou, fosse verdade ou não, parecia sincero. No entanto a timidez chegou e permitiu uma única lembrança antes do fim da noite.

E ficou como lembrança doce, que a pequena moça guardou com carinho para fantasiar depois outros encontros nas noites antes de dormir.

No outro dia ela voltou até lá; encontrou rostos conhecidos mas não do bonito rapaz. Ficou então a observar cada passo que a escada recebia, enquanto a música tocava a todo volume e as pessoas mexiam seus corpos no mesmo embalo. Os seus olhos percorreram o ambiente à procura, na esperança que o forasteiro aparecesse, antes da volta do autor, para fazê-la sorrir como na noite anterior.

sexta-feira, junho 4

Instruções

Você lembrar a mim a cor dos meus olhos, dizer que o meu perfume te inebria, que no fundo o meu rosto apresenta um aspecto angelical, não me acrescenta em virtudes, apenas alimenta a minha vaidade que caminha junto com o meu ego. Porque no fundo, também há a timidez que não sabe o que dizer, apenas baixa os olhos e sorri tentando formular respostas que nunca são ditas.

Venha até mim, troque frases não palavras soltas que perdem a consistência assim que saem da sua boca. Porque por mais que seja perda de tempo eu vou querer tentar te descobrir, conhecer e formular opiniões mirabolantes. Quero encontrar em você aspectos comuns aos meus, que façam por instantes meus olhos brilharem por gostar do que estou descobrindo.

A partir do momento em que tudo fluir naturalmente, você verá que para um beijo acontecer, são poucos passos, porque estaremos no mesmo ritmo, não será caminho perdido, mas sim, lembranças boas de algum lugar na Terra.

E ainda assim não vou querer saber o que em mim te encanta. Prefiro apenas que guarde suas opiniões e comente a outros que desconheço.