quinta-feira, agosto 5

Posse

Ele resolvera voltar para o seu mundo, já estava cansado daquele cotidiano rápido e tecnológico, aonde as pessoas iam e vinham apressadas, esquecidas da subjetividade, com encontros noturnos intensos e de poucas horas de duração. Em que viam no álcool o caminho correto para sorrisos abertos, movimentos frenéticos e um suposto carisma, que com o tempo tornava-se insuportável.

Por trás dos óculos escuros, seus olhos vagavam pelas areias, céu, mar e chegavam onde ela estava guardada, segura e secreta de si mesma e dos outros que já tentaram roubá-la. Ele sabia de todo encanto que existia guardado naquela pele morena e não queria vê-lo solto por ai a mercê de outras mãos, carícias, desejos e olhares.

Ela era sua criação, sua maior obra-prima! Planejou cada detalhe inspirado no calor que saia dos poros e na vivacidade daquele olhar. À medida que delineava suas formas, encantava-se e queria para si, queria que fosse real, não um simples manuscrito. E aos seus olhos ele a viu sair do papel e com a mesma rapidez que foi criada, ela tornou-se independente. Aprendeu os passos e saiu do papel, para as ruas e calçadas a brincar e entregar-se a todos, menos a ele.

Não queria ser tocada por aquela figura, pois se assustava com seus gestos. Foi embora, perdeu-se, correu atrás do nada e foi encontrada por ele, que a levou de volta para as páginas, de onde nunca devia ter saído, assim dizia.

Lá dentro, toda rabiscada de tinta, a pele marcada por palavras, não viu seu dono fazer as malas e deixar os cômodos. Ficou na escuridão, entre as folhas, fraca e sem calor. Mal sabia que era assim que ele a queria, pois quando voltasse iria moldá-la de acordo com as suas linhas.

2 comentários:

  1. Muito bem escrito, idéias bem articuladas. Você é uma escritora, e sabe disso (: Esse texto é particularmente MÁGICO.. sério, ele é MUITO MÁGIGO. Até consigo ver as purpurinas.
    Continue... ;D

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  2. Quão seria bom se os ersonagens que criamos, damos seus nomes e suas roupas, pudessem perambular entre nós. Seus pais. Dialogar com eles. Os criamos perfeitos em relação ao que queremos ditar, e determinar o rumo das coisas, não cabe a eles, e sim ao autor, passar de rascunho pra arte final.

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